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26 de julho: lembrar da resistência de Nossa América ao imperialismo

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Este 26 de julho marca o 71º aniversário da invasão do Quartel Moncada. A data é considerada o início da Revolução Cubana, que tem sua vitória em 1º de janeiro de 1959.

No momento em que lembramos dessa data, que é também um símbolo de resistência ao imperialismo, a Fundação Maurício Grabois traduz pela primeira vez para o português o artigo do intelectual cubano Elier Ramírez Cañedo sobre os 200 anos da Doutrina Monroe.

O artigo traz uma completa trajetória das intervenções do imperialismo estadunidense na Nossa América, mas também trata dos movimentos de resistência dos povos latino-americanos e caribenhos. Trata-se de uma verdadeira aula de história que nos faz lembrar que ser de esquerda na América Latina é ser anti-imperialista.

Doutor em história, Elier Ramírez é membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba e deputado da Assembleia Nacional.

Leia abaixo a íntegra do artigo.

200 anos da Doutrina Monroe: história e presente

Por Elier Ramírez Cañedo

Quando, em dezembro de 1823, o presidente James Monroe anunciou em mensagem ao Congresso uma política que definiria a essência da política externa dos Estados Unidos para a região latino-americana e caribenha, resumida na ideia “América para os americanos”, usou como justificativa rechaçar qualquer nova tentativa europeia de interferir ou estender o seu sistema de governo ao continente americano, como um perigo para a “paz e segurança” da nação do norte, ocultando os seus interesses expansionistas e hegemônicos para o sul do continente, em particular naquele momento em relação a Cuba e ao México. Desta forma, os Estados Unidos inauguraram uma tradição que caracterizaria até hoje o seu comportamento no cenário internacional, em que as palavras dos seus líderes políticos não apenas escondem os verdadeiros propósitos, mas em muitos casos os propósitos constituíram o reverso total das palavras. Não foi em vão que o Libertador, Simón Bolívar, deixou à posteridade uma frase plenamente válida, para destacar em 1829 que os Estados Unidos pareciam destinados a atormentar a América com a miséria em nome da liberdade (1).

A Doutrina Monroe serviu para Washington se declarar de forma unilateral, como se fosse um direito divino, protetor do continente americano, deixando o resto do mundo saber onde residia a sua zona de influência, expansão e predominância.

No entanto, durante os primeiros três anos após a sua enunciação, os países da região invocaram-na pelo menos cinco vezes para enfrentar ameaças reais ou aparentes à sua independência e integridade territorial, apenas para receber respostas negativas ou evasivas do Governo norteamericano. O passar do tempo confirmou que a Doutrina Monroe foi criada apenas para ser definida, interpretada e aplicada conforme a conveniência dos Estados Unidos.

Ao longo do tempo teria inúmeras atualizações dos diferentes governos dos EUA, sempre procurando fechar qualquer lacuna que pudesse, a partir da interpretação e prática de outros atores internacionais e dos próprios países da região, colocar em risco os seus verdadeiros desígnios. Apenas para citar alguns deles:

Corolário Polk de 1848: não só os Estados Unidos não admitiriam uma nova colonização europeia no continente americano, como também nenhuma nação da região solicitaria por si só a intervenção de governos europeus nos seus assuntos ou a própria união com qualquer um deles, expressava também que nenhuma nação europeia poderia interferir na vontade ou desejo dos países do continente de se juntarem aos Estados Unidos (2);

Corolário Hayes de 1880: estabeleceu o Caribe e a América Central como parte da esfera de influência exclusiva dos Estados Unidos e que para evitar a interferência do imperialismo europeu na América, Washington deveria exercer o controle exclusivo de qualquer canal interoceânico que fosse construído (3);

Corolário Roosevelt de 1904: muito mais conhecido, proclama o dever e o direito dos Estados Unidos de intervir como árbitro ou polícia internacional nos países da América Latina e do Caribe diante de conflitos ou dívidas destes com potências extrarregionais (4);

Corolário Kennan de 1950: justificava o apoio dos Estados Unidos às ditaduras que floresciam na região sob o pretexto do anticomunismo, que seriam até chamadas de “ditaduras de segurança nacional” (5).

A ideia de que a declaração de Monroe pudesse constituir um ato de altruísmo ou de amizade particular para com as repúblicas vizinhas do sul – como muitos governos latino-americanos acreditaram fervorosamente durante anos – não passou pela cabeça de nenhum dos líderes norte-americanos, nem lhe ocorreu menos ainda que implicasse para os Estados Unidos a obrigação de intervir em defesa de qualquer país do continente vítima de agressão externa. Para os estadistas americanos, a Doutrina Monroe limitava-se a anunciar a eventual intervenção dos Estados Unidos apenas nos casos e nas áreas da região que fossem de seu vital interesse de dominação.

Assim deixou registrado o Secretário da Guerra da administração Monroe, John C. Calhoun:

“Não deveríamos estar sujeitos a que nossas declarações gerais fossem citadas em todas as ocasiões, às quais podem dar todas as interpretações que quiser. Há casos de intervenção em que eu apelaria para os perigos da guerra com todas as suas calamidades. Veja o caso de Cuba. Enquanto Cuba permanecer sob poder da Espanha, uma potência amiga, potência que não tememos, a política do governo será, como tem sido a política de todos os governos desde que estou na política, deixar Cuba como está, mas com o desígnio expresso, que espero nunca ver concretizado, de que se Cuba deixar o domínio da Espanha, não passa para outras mãos que não as nossas… Na mesma categoria mencionarei outro caso, o do Texas, se fosse necessário, teríamos resistido a uma potência estrangeira” (6).

Entre os anos de 1825 e 1826 confirmou-se que a Doutrina Monroe nada tinha a ver com “paz e segurança”, e muito menos com um apoio sincero e desinteressado à independência dos seus “irmãos do sul”, quando os Estados Unidos se opuseram por via diplomática e em tom ameaçador, face a uma possível expedição conjunta colombiano-mexicana, com o objetivo de levar a independência a Cuba e Porto Rico, projeto que Simón Bolívar e Guadalupe Victoria, esta última presidente do México, acalentaram. Diante da forte pressão diplomática americana, os governos de Bogotá e do México responderam que nenhuma operação em grande escala contra as Antilhas Espanholas seria acelerada até que a proposta fosse submetida ao Congresso Anfictiônico do Panamá, a ser realizado em 1826. A preocupação de Washington logicamente continuou, transmitindo sua preocupação aos governos da Colômbia e do México e movimentando todos os recursos de seu poder diplomático (7). José Martí referir-se-ia anos mais tarde a esta passagem embaraçosa da história dos Estados Unidos, reflexo da ideologia monroísta, num dos seus célebres discursos: “E Bolívar já punha o pé no estribo, quando um homem que falava em inglês, e que vinha do Norte com documentos do governo, agarrou o cavalo pelas rédeas e lhe falou assim: ‘Eu sou livre, você é livre, mas aquele povo que deve ser meu, porque o quero para mim, não pode ser livre!’” (8). O status quo conveniente aos interesses dos Estados Unidos não poderia ser alterado pelas potências extracontinentais, mas nem mesmo pelos próprios países da região. Esta situação seria mantida durante os anos de 1827, 1828 e 1829, cada vez que se tentou reavivar o empreendimento redentor, tanto por parte da Colômbia, como do México e do Haiti.

É muito ilustrativo à luz de hoje, quando continuamos a ver a obsessão ianque em relação a Cuba, que no contexto da proclamação da Doutrina Monroe gravitassem especialmente os interesses de dominação dos Estados Unidos sobre as Grandes Antilhas. E a Doutrina Monroe também foi complementada pela chamada teoria da fruta madura, formulada por John Quincy Adams no ano de 1823, na qual Cuba era comparada a uma fruta de uma árvore, para indicar metaforicamente que assim como existiam leis da gravitação física, havia leis de gravitação política e, por tais motivos, não havia outro destino para Cuba senão cair nas mãos dos americanos, bastava esperar o momento certo para que esse fruto estivesse maduro para que esse fim inevitável se cumprisse. Durante este processo – sublinhou também Adams numa carta enviada em 28 de abril de 1823 ao representante diplomático dos Estados Unidos em Madrid – era preferível que o fruto desejado permanecesse nas mãos de Espanha, em vez de passar para as mãos de países mais poderosos da época. Assim, quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Coroa Britânica, George Canning, propôs a Washington a assinatura de uma declaração conjunta rejeitando qualquer tentativa da Santa Aliança e da França de restaurar o absolutismo da Espanha nos territórios hispano-americanos, os Estados Unidos assumiram a liderança num golpe de mestre, fazendo uma declaração própria – mais tarde conhecida como Doutrina Monroe – que deixou as mãos dos Estados Unidos absolutamente livres na América e tentou ligá-los ao resto das potências, incluindo a Inglaterra. Na raiz do surgimento da Doutrina Monroe esteve, então, Cuba, como um dos territórios mais cobiçados pela classe política norte-americana. Também o México, cujos territórios em mais de metade da sua extensão seriam posteriormente usurpados durante a guerra de 1846-1848.

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Em 1830, partiu para a eternidade Simón Bolívar, líder que durante sua luta pela independência e unidade dos povos da América Latina, sentiu a rejeição americana como um grande obstáculo e perigo permanente, bem como confirmou sua postura calculista e fria – que chamou de comportamento aritmético – em relação ao processo de emancipação ocorrido na América do Sul. Contra o Libertador e seus planos de unidade e integração da América Latina, teceu-se a partir de Washington uma ampla rede conspiratória, que surpreende ainda hoje pelo seu nível de articulação, quando os meios de comunicação e inteligência que o imperialismo norte-americano dispõe na região ainda não existia. Contudo, representantes diplomáticos americanos como William Tudor, William Harrison, Joel Poinsett, entre outros, fizeram um trabalho sujo muito eficaz para derrotar mais do que a pessoa de Bolívar, as ideias que ele representava e defendia, totalmente antagônicas à filosofia monroísta. O seu pensamento precursor do anti-imperialismo, da unidade e integração dos territórios libertados do jugo do colonialismo espanhol, a favor da abolição da escravatura, das classes mais despossuídas e da independência de Cuba e Porto Rico, foram a maior ameaça aos interesses de expansão e dominação que Washington enfrentou naqueles anos, daí as suas inúmeras tentativas de desacreditá-lo chamando-o de “usurpador”, “ditador”, “o louco da Colômbia”, entre outros rótulos ofensivos.

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Na segunda metade do século XIX, o ideal bolivariano teria em José Martí, o apóstolo da independência cubana, um dos seus mais brilhantes discípulos, que poderia ver como ninguém as entranhas do monstro e alertar para os seus perigos para independência da Nossa América e o equilíbrio do próprio mundo. Coube-lhe então enfrentar o monroísmo na fase em que os Estados Unidos davam os primeiros passos de transição para a fase imperialista e quando a doutrina Monroe se modernizava através do pan-americanismo, que defendia a unidade continental sob o eixo dominante de Washington a partir da narrativa do chamado Destino Manifesto, tese de supostas raízes bíblicas, que afirmava que a vontade divina conferia à nação americana o direito de controlar todo o continente. Os Estados Unidos buscaram a supremacia hemisférica nos fóruns e instrumentos jurídicos internacionais e com ela a institucionalização dos postulados da Doutrina Monroe.

Através de suas crônicas e artigos em mais de vinte jornais latino-americanos, José Martí desenvolveu um intenso trabalho antiimperialista para derrotar a tese da moeda única, da arbitragem e da união aduaneira, promovida pelo Secretário de Estado dos Estados Unidos, James Blaine, na Conferência Internacional Americana realizada em Washington entre 1889 e 1890. Também o faria na Conferência Monetária das Repúblicas da América em 1891, onde participou ativamente como Cônsul do Uruguai.

“Nunca houve na América, desde a independência”, advertiu Martí, “um assunto que exija mais bom senso, ou que obrigue a mais vigilância, ou que peça um exame mais claro e aprofundado, que o convite que os poderosos Estados Unidos, repletos de produtos invendáveis, e determinados a alargar os seus domínios na América, fazem para as nações americanas de menos poder, ligadas pelo comércio livre e útil com os povos europeus, a estabelecer uma liga contra a Europa, e a interromper acordos com o resto do mundo. A América espanhola soube salvar-se da tirania espanhola; e agora, depois de ver com olhos judiciais os antecedentes, as causas e os fatores do convite, é urgente dizer, porque é a verdade, que chegou a hora de a América espanhola declarar a sua segunda independência” (9).

Pouco antes de morrer em Dos Ríos, em 19 de maio de 1895, em uma carta inacabada ao amigo mexicano Manuel Mercado, Martí deixou testemunho de qual foi o sentido de sua vida: “impedir a tempo, com a independência de Cuba, que os Estados Unidos se estendam pelas Antilhas e caiam, com mais essa força, sobre as nossas terras da América”.

Com uma visão de longo prazo, Martí viu o maior perigo que os vorazes apetites imperiais de Washington representavam para Cuba e os países da nossa América e previu o que poderia acontecer se não alcançasse em breve tempo a independência de Cuba e Porto Rico, onde ele considerava que estava o equilíbrio do mundo.

“No fiel da América estão as Antilhas”, escreveu Martí numa análise que demonstra o seu conhecimento e visão dos interesses geopolíticos que se movimentavam no cenário internacional, “que seriam, se escravas, mero pontão da guerra de uma república imperial contra o mundo zeloso e superior que se prepara já a negar-lhe o poder, – mera fortaleza da Roma americana; e, se livres, – e dignas de sê-lo pela ordem da liberdade equitativa e trabalhadora – seriam no continente a garantia do equilíbrio, a da independência para a América espanhola ainda ameaçada, e a da honra para a grande república do Norte, que no desenvolvimento de seu território – infelizmente já feudal e repartido em seções hostis – achará mais segura grandeza que na imoral conquista de seus vizinhos menores, e na luta inumana que com a possessão delas abriria contra as potências do planeta pelo predomínio do mundo”.

E poucas linhas depois expressa: “É um mundo o que estamos equilibrando: não são só duas ilhas as que vamos libertar” (10).

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Em 1898, com a intervenção no conflito cubano-espanhol, os Estados Unidos transformaram a Ilha de Cuba no tubo de ensaio neocolonial da região, iniciando um período histórico caracterizado pela consumação e sucesso da doutrina Monroe, fortalecendo o seu domínio no Hemisfério Ocidental e deslocando gradualmente potências rivais, especialmente a Inglaterra. Além de Cuba e Porto Rico, Washington garantiu o controlo do Istmo do Panamá, um dos pontos geoestratégicos mais importantes.

República Dominicana, Panamá, Guatemala, El Salvador, Cuba, Honduras, Nicarágua e Haiti sofreram diretamente a política do Big Stick e o corolário Roosevelt da Doutrina Monroe com a intervenção e ocupação territorial dos fuzileiros navais ianques. No caso de Cuba, o monroísmo adquiriu conotação jurídica através da Emenda Platt, um apêndice à Constituição de 1901, imposta à força aos cubanos sob a ameaça de ocupação militar permanente. A Emenda Platt deu aos Estados Unidos o direito de intervir em Cuba sempre que considerasse apropriado e de arrendar territórios para o estabelecimento de bases navais e de carvão, origem da presença ilegal americana até hoje na Baía de Guantánamo. A Emenda Platt não foi concebida ou imposta para salvaguardar Cuba ou qualquer interesse cubano, mas sim como uma expressão tangível da Doutrina Monroe.

O sucessor de Roosevelt na Casa Branca, Willian Taft, através da diplomacia do dólar e das canhoneiras, combinou a intervenção militar com o controle financeiro e político ianque, expandindo e consolidando o domínio americano na América Central e no Caribe. “Não está distante o dia”, assinalava Taft descaradamente, “em que três estrelas e três listras em três pontos equidistantes delimitarão nosso território: uma no Pólo Norte, outra no Canal do Panamá e a terceira no Pólo Sul. O hemisfério completo, na verdade, será nosso em virtude de nossa superioridade racial, como já é nosso moralmente” (11).

Seguiram-se então os governos de Woodrow Wilson, Warren Harding, Calvin Coolidge, Herbert Hoover e Franklin D. Roosevelt, todos eles reforçando de uma forma ou de outra os postulados da Doutrina Monroe, intervindo ou ameaçando militarmente sempre que as exigências para sua segurança imperial na região estavam ameaçados. A Revolução Mexicana sofreu naqueles anos os ataques do monroísmo, assim como a Nicarágua de 1926 a 1933, quando Augusto César Sandino, liderando um exército popular, enfrentou os fuzileiros navais que haviam invadido e ocupado o país. As tropas norte-americanas foram finalmente derrotadas e tiveram que se retirar da nação centro-americana em 3 de janeiro de 1933. Porém, o governo de Franklin Delano Roosevelt, o mesmo que havia defendido o engano da política de boa vizinhança em relação à América Latina e ao Caribe, não ficou de braços cruzados e conspirou contra Sandino até que seu assassinato se materializou e a ditadura de Anastasio Somoza foi estabelecida, “um filho da puta” – o próprio Roosevelt o chamou – “mas nosso filho da puta”.

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O início da Segunda Guerra Mundial propiciou perfeitamente ao governo dos EUA expandir ainda mais o seu domínio em todo o hemisfério, ampliando as suas bases militares na região e conseguindo que numerosos países latino-americanos e caribenhos se juntassem aos seus projetos de “segurança” hemisférica, estando na realidade subordinados aos objetivos geoestratégicos do imperialismo ianque. A assinatura, em 1947, por 20 governos latino-americanos e caribenhos do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) foi um exemplo palpável disso. Monroe e Adams, desde o túmulo, não poderiam estar mais satisfeitos, ainda mais quando em 1948 surgiu a Organização dos Estados Americanos (OEA), como instrumento para os Estados Unidos modernizarem e institucionalizarem o seu domínio sobre a América Latina e o Caribe. O seu nascimento foi batizado com o derramamento de sangue do povo colombiano, em meio a uma revolta popular cujo gatilho foi o assassinato do líder progressista Jorge Eliécer Gaitán. O governo subserviente aos interesses de Washington impostos após esses acontecimentos seria o único que enviaria tropas para a Guerra da Coreia para agradar ao mestre do Norte.

Começou imediatamente a tornar-se evidente que o propósito da OEA não tinha realmente nada a ver com “unidade e solidariedade continental” face aos desafios comuns e às “ameaças extra-regionais”, mas antes constituía mais uma peça no novo sistema mundial que estava emergindo para satisfazer os interesses hegemônicos da elite do poder dos Estados Unidos. O chamado sistema interamericano fazia, na verdade, parte do seu sistema de dominação. A OEA constituiu uma adaptação da Doutrina Monroe ao cenário do pós-guerra para alinhar toda a região contra os “perigos do comunismo internacional”. Daí a sua inutilidade – para além da possibilidade de condenar verbalmente o imperialismo norte-americano – para representar os interesses dos povos latino-americanos e caribenhos.

A história da OEA não tem sido outra senão a do mais infame apoio dos governos oligárquicos aos interesses de Washington, ou do desrespeito de Washington pela maioria, quando essa maioria discordou das suas posições, refletindo a falácia da sua própria existência como espaço de concertação entre as Duas Américas. A própria Carta da OEA foi violada e os consensos regionais desrespeitados pelos Estados Unidos em diversas ocasiões. Sem dúvida, foi concebido e continua a tentar funcionar como um “Ministério das Colônias” ianque, na raiz do qual está a filosofia monroísta.

No final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos alcançaram a supremacia absoluta no Hemisfério Ocidental, atingindo o auge das aspirações dos pais fundadores, de Adams e Monroe quando lançaram a famosa doutrina, e dos seus seguidores mais leais e criativos. Tendo atingido este nível de controlo naquele que consideravam o seu quintal, a elite poderosa do imperialismo norte-americano sentiu-se em posição de estender a sua hegemonia a outras áreas geográficas do mundo, ultrapassando mesmo os limites do que foi expresso na Doutrina Monroe em 1823.

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A década de 1960 trouxe mais uma vez um relançamento do ideal monroísta diante do triunfo da Revolução Cubana e da suposta penetração do comunismo no Hemisfério Ocidental, pretexto que foi assumido e difundido a partir de Washington para seguir um rumo ainda mais agressivo contra o processo revolucionário cubano e provocar seu isolamento diplomático no hemisfério, fato que se concretizou quando Cuba foi suspensa da OEA em 1962. Nesse mesmo ano, o Presidente Kennedy disse em entrevista coletiva:

“A Doutrina Monroe significa o que tem significado desde que o Presidente Monroe e John Quincy Adams a anunciaram: que nos oporíamos a uma potência estrangeira que estendesse o seu poder ao Hemisfério Ocidental, e é por isso que nos opomos ao que está a acontecer hoje em Cuba. É por isso que cortamos as nossas relações comerciais. É por isso que trabalhamos na Organização dos Estados Americanos e de outras formas para isolar a ameaça comunista em Cuba” (12).

A resistência e as conquistas da Revolução Cubana, o seu exemplo de independência e soberania absoluta às próprias portas do império americano, foi uma realidade inadmissível para os verdadeiros propósitos hegemônicos em que se inspirou a Doutrina Monroe. No mesmo ponto geográfico onde Washington iniciou seu longo caminho de sucessos de expansão e preeminência, estabelecendo-se como um império, também começou o desafio mais contundente e sustentado que o colosso do Norte já enfrentou a partir da periferia sul e, no caso, pouco debaixo dos seus próprios narizes, e por uma Ilha, pequena em tamanho, mas gigante como exemplo moral para o mundo. Fidel Castro Ruz abraçaria o ideal bolivariano, martiano, anticolonial, antiimperialista, internacionalista e marxista, tornando-se uma heresia que ainda hoje e olhando para o futuro, continua a travar e a vencer grandes batalhas, enquanto viver o seu exemplo e pensamento no povo cubano e nos revolucionários de todo o mundo.

Além de desencadear uma guerra de amplo espectro contra Cuba que continua até hoje, esta anomalia na dominação dos EUA no Hemisfério Ocidental levou os vários governos dos EUA a desencadear toda uma série de políticas violentas e reacionárias para impedir a existência de mais Cubas na região. Iniciou-se uma nova etapa de invasões, golpes de estado e apoio a ditaduras sangrentas, sob o pretexto da luta contra o comunismo. Em nome da liberdade – e também dos direitos humanos – como Bolívar tinha avisado em 1829, Washington foi responsável pelos mais horrendos crimes cometidos contra os povos ao sul do Rio Bravo. Milhões de desaparecidos, torturados, assassinados, foi o custo que o nosso povo pagou, um número impossível de calcular totalmente se somarmos as vítimas do monroísmo desde o século XIX. Nunca podemos esquecer essa história, que também faz parte do que significaram estes duzentos anos da Doutrina Monroe. Como não nos referirmos à Operação Condor, que entre 1975 e 1983 foi a causa de milhares de mortes e desaparecimentos em todo o continente, onde os esforços criminosos do governo dos Estados Unidos e da CIA se combinaram com as ditaduras militares do Chile, Argentina, Venezuela, Paraguai, Uruguai, Brasil e Bolívia, e também grupos terroristas de origem cubana sediados em Miami, com o objetivo de coibir o movimento progressista e revolucionário na América Latina.

Há 50 anos, a administração Nixon-Kissinger desencadeou uma grande conspiração contra o governo de Unidade Popular presidido por Salvador Allende no Chile, esta operação culminou em 11 de setembro de 1973 com um golpe de estado, a morte de Allende e o estabelecimento de uma das ditaduras mais atrozes de todo o continente, cujas consequências ainda hoje são visíveis naquele país. Também há 40 anos, a administração republicana de Ronald Reagan lançou uma invasão da ilha caribenha de Granada, em 25 de outubro de 1983, onde ocorria um processo revolucionário liderado por Maurice Bishop. A história como professora da vida dá lições para o presente. As palavras de Fidel ao povo chileno, em Santiago do Chile, em 12 de dezembro de 1971, alertando sobre a ameaça representada pela direita fascista apoiada por Washington para os processos revolucionários, são novamente especialmente válidas hoje:

“Mas o que fazem os exploradores quando as suas próprias instituições já não garantem o seu domínio? Qual é a sua reação quando os mecanismos em que historicamente confiaram para manter o seu domínio fracassam com eles, falham com eles? Eles simplesmente os destroem. Não há ninguém mais anticonstitucional, mais antilegal, mais antiparlamentar e mais repressivo e mais violento e mais criminoso que o fascismo. O fascismo, na sua violência, liquida tudo: ataca as universidades, fecha-as e esmaga-as; ataca os intelectuais, reprime-os e persegue-os; ataca partidos políticos; ataca organizações sindicais; ataca todas as organizações de massa e organizações culturais. Portanto, não há nada mais violento, mais retrógrado ou mais ilegal que o fascismo” (13).

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A queda do campo socialista desencadeou ares triunfalistas em Washington sobre a chegada da “Pax Americana”, já não era apenas “América para os Americanos”, mas o mundo aos pés da potência mundial que venceu a Guerra Fria como um suposto fim da história. Porém, além de não terem conseguido aniquilar Cuba, que resistiu e saiu vitoriosa novamente como pedra principal em seus sapatos, rebeliões populares e resistências naquele que os Estados Unidos consideravam seu quintal seguro, começaram imediatamente a ocorrer sem que a elite do poder naquele país pudesse  imaginar. Houve um ressurgimento do bolivarianismo e a chegada ao poder de forças progressistas e de esquerda, o que articulou uma mudança de época onde o monroísmo foi questionado, resgatando e atualizando para o século XXI o ideal bolivariano. O papel do presidente venezuelano Hugo Rafael Chávez Frías, na liderança da Revolução Bolivariana marcou, sem dúvida, uma virada e um salto na história da América Latina e do Caribe. Juntamente com os governos de Nestor Kirchner na Argentina, Daniel Ortega na Nicarágua, Evo Morales na Bolívia, Tabaré Vázquez no Uruguai, Lula Da Silva no Brasil, Rafael Correa no Equador e Fidel e Raúl em Cuba, começou a tomar forma um projeto regional de Nossa América, que incluiu a criação de organizações de integração como ALBA-TCP, UNASUL, CELAC, TELESUR, PETROCARIBE, entre outros mecanismos que buscavam romper com os esquemas de dominação que foram impostos desde o norte durante décadas. Em novembro de 2005, as tentativas do imperialismo norte-americano de recolonizar a região sob uma Área de Livre Comércio para as Américas (ALCA) foram derrotadas, quando em Mar del Plata, Argentina, durante a celebração da IV Cúpula das Américas, vários presidentes latino-americanos e caribenhos o enfrentaram, incluindo o anfitrião da reunião, o presidente Néstor Kirchner, juntamente com Chávez e Lula. Os Estados Unidos nunca tinham enfrentado tal ruptura no seu domínio no Hemisfério Ocidental desde o final da Segunda Guerra Mundial. As administrações de William Clinton, W. Bush e Barack Obama reagiram com todo o seu arsenal e aliados para parar e derrubar este processo: golpes de Estado, golpes parlamentares, golpe petrolífero, sanções econômicas, bloqueios, guerras culturais, mediáticos, psicológicos e de quarta- geração, subversão, espionagem, interferência nos assuntos internos, incentivo à traição e à divisão, judicialização de líderes progressistas e de esquerda, ameaça diplomática e econômica, manobras militares, ativação da IV Frota, entre muitas outras ações que marcaram a contraofensiva imperial, oligárquica e de direita em toda a região.

Porém, sob os preceitos do Smart Power, em 2013, o presidente dos EUA, Barack Obama, expressou que a Doutrina Monroe havia chegado ao fim e em discurso perante a OEA, o então Secretário de Estado, John Kerry, afirmou que a relação dos Estados Unidos com a América Latina deveria ser de parceiros equivalentes e que o seu governo procurou estabelecer um vínculo não baseado em doutrinas, mas em interesses e valores comuns. Mas a melhor negação destas declarações veio apenas dois anos depois, quando houve uma nova tentativa de golpe contra a Revolução Bolivariana, onde a interferência dos EUA era evidente. Algumas semanas depois, a Casa Branca declarou a Venezuela uma ameaça extraordinária à sua segurança nacional.

No caso de Cuba, apesar do anúncio do restabelecimento das relações diplomáticas em 17 de dezembro de 2014 e da chamada nova abordagem política, os propósitos de conseguir uma mudança de regime e a derrubada da Revolução nunca foram abandonados pela administração Obama. Fatos, declarações e documentos do período demonstram isso.

Contudo, o seu sucessor na Casa Branca, Donald Trump, e os seus principais conselheiros de política externa retomariam abertamente o discurso monroísta. Uma das declarações que mais gerou manchetes foi a do seu secretário de Estado, Rex Tillerson, que durante uma viagem pela América Latina, afirmou que a Doutrina Monroe, “é tão relevante hoje como no dia em que foi escrita”. Estas declarações não foram apenas uma reação a uma maior presença da China e da Rússia na região, mas também responderam à não aceitação de “ideologias estrangeiras” como as defendidas por Cuba e pela Venezuela, embora no fundo saibamos que a verdadeira preocupação é a desconexão do sistema de dominação imperial norte-americana que significam os exemplos da Revolução Cubana e Bolivariana.

7

Atualmente, é cada vez mais visível que assistimos a um mundo em transição geopolítica e a um declínio acelerado da hegemonia dos EUA a nível global. A elite do poder dos Estados Unidos, neste cenário, apega-se cada vez mais à filosofia monroísta e face a um estado de exagero imperial que a impede de manter o controle em áreas geográficas muito mais distantes – como aconteceu na África e no Médio Oriente -, é lógico que seu olhar se concentre na área que há 200 anos considera seu espaço vital de reprodução e expansão hegemônica: a América Latina e o Caribe. Da lógica imperial, trata-se de recuperar a qualquer custo o terreno perdido face ao avanço da China, da Rússia e dos próprios governos progressistas e de esquerda. A América Latina e o Caribe continuam a ser a principal prioridade da política externa dos EUA. A chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, Laura Richardson, voltou a confirmá-lo recentemente, quando em conversa com o think tank, Atlantic Council, expressou:

“Falo de meu oponente número 2 na região, a Rússia [a China é o inimigo número 1] que tem relações com Cuba, Venezuela e Nicarágua. Por que é importante esta região? Com todos os seus ricos recursos e elementos de terras raras, tem o triângulo do lítio, que hoje em dia é necessário para a tecnologia. 60% do lítio do mundo está no triângulo do lítio: Argentina, Bolívia, Chile; têm as maiores reservas de petróleo, petróleo bruto leve e doce descoberto na Guiana há mais de um ano. Também tem os recursos da Venezuela, com petróleo, cobre, ouro. Temos o pulmão do mundo, a Amazônia. Também temos 31% da água doce do mundo nesta região. Quero dizer, é fora do comum. Esta região é importante. “Tem a ver com Segurança Nacional e temos que intensificar o nosso jogo”. (14).

O cenário que se desenha é de oportunidades face às lacunas e fragilidades do próprio sistema imperial e aos contínuos erros da direita sem um projeto alternativo para oferecer aos nossos povos, mas também de grandes perigos face ao crescimento das tendências neofascistas que se vislumbram no horizonte e também em outros lugares do mundo, especialmente na Europa. A própria crise sistêmica do imperialismo leva a reações cada vez mais violentas e reacionárias, dada a perda de capacidades para manter a acumulação ampliada do capital e as rebeliões e revoltas que surgem uma após a outra na periferia e nos próprios centros de dominação, cujos resultados anunciam o nascimento de um mundo multipolar. Neste processo, as forças de esquerda da região têm um momento único para relançar os processos de unidade e integração da América Latina e do Caribe como nunca. As situações são muito mutáveis ​​e fluidas, amanhã será tarde demais. Só unidos seremos verdadeiramente livres e um ator internacional com um lugar influente nos destinos da humanidade, que deve caminhar urgentemente, para não desaparecer, para uma mudança de paradigma civilizacional. Caso contrário, os Estados Unidos cairiam novamente nas nossas terras americanas, quebrando o equilíbrio do mundo, num momento em que poderá não haver retorno para salvar não só a independência e soberania dos nossos povos, mas até mesmo a própria espécie humana.

Como destacou o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro Ruz, na primeira Cúpula Ibero-Americana, em Guadalajara, México, em 18 de julho de 1991: “Chegou a hora de cumprir com ações e não com palavras a vontade daqueles que sonharam um dia para os nossos povos com uma grande pátria comum que merecesse respeito e reconhecimento universal”.

No século XXI, a Doutrina Monroe está tão viva como estava em 1823, há duzentos anos. Mas os ideais e as lutas dos nossos povos também estão vivos. Os ideais e as lutas dos heróis latino-americanos e caribenhos que ofereceram as suas vidas pela independência e unidade da Nossa América estão vivos hoje mais do que nunca.

Neste ano de 2023, o que comemoramos verdadeiramente é o 95º aniversário do nascimento de um dos maiores paradigmas de revolucionários de todos os tempos, Ernesto Che Guevara, que deu a vida à emancipação dos povos latino-americanos, caribenhos, africanos e de todo o Sul global sob o jugo imperialista. O nosso maior compromisso tem de ser, sem dogmas e atavismos que atrapalhem o caminho, a luta pela justiça social e pela unidade e integração dos nossos povos.

Notas:

1 Carta de Simón Bolívar ao Coronel Patricio Campbell, encarregado de negócios britânico do Governo da Colômbia, Guayaquil, 5 de agosto de 1829.

2 – James Knox Polk, presidente dos Estados Unidos de 1845 a 1849.

3 – Rutherford Birchard Hayes, presidente dos Estados Unidos de 1877 a 1881.

4 – Theodore Roosevelt, presidente dos Estados Unidos entre 1901 e 1909.

5 – George F. Kennan (1904-2005). Diplomata e conselheiro governamental norte-americano e autor da doutrina de contenção contra o comunismo.

6 – Indalecio Liévano Aguirre: Bolívarismo e Monroísmo, Editorial Revista Colombiana, Bogotá, 1971, pp.40-41.

7 – Ver Elier Ramírez Cañedo, Miséria em nome da liberdade, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, pp.67-74.

8 – Discurso de José Martí no Hardman Hall, Nova York, 30 de novembro de 1889.

9 – José Martí, “Congresso Internacional de Washington, sua história, seus elementos e suas tendências.”, Obras Completas, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 1975, t. 6, pág. 46.

10 – José Martí, “O terceiro ano do Partido Revolucionário Cubano”, Obras Completas, Editorial Nacional de Cuba, Havana. t. 3, pág.142.

11 – Citado por Juan Nicolás Padrón em: A guerra dos Estados Unidos contra Cuba na república neocolonial (II), La Jiribilla, 3 de agosto de 2022.

12 – Enciclopédia do Novo Mundo. “Doutrina Monroe.” Enciclopédia do Novo Mundo. 18 de outubro de 2018. http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Monroe_Doctrine

13 – Discurso proferido pelo Comandante Fidel Castro Ruz, na cerimônia de despedida que lhe foi prestada pelo povo chileno, no estádio nacional, Santiago do Chile, 2 de dezembro de 1971

14 – Veja na internet: https://www.youtube.com/watch?v=DBHznUxu2_E

O post 26 de julho: lembrar da resistência de Nossa América ao imperialismo apareceu primeiro em Mauricio Grabois.


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